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sábado, 25 de junho de 2011

Direitos, Obrigações e Violações do DHAA

ABRANDH
Curso de Formação em Direito Humano à Alimentação Adequada no Contexto da Segurança Alimentar Nutricional
Assim como a postagem anterior, esse é um resumo do segundo módulo do curso do ABRANDH, também disponível no site da associação (www.abrandh.org.br). Respeite os direitos autorais, referenciando a associação ;-). Meus comentários estão em itálico (dessa vez tem muitos! =p).

Módulo II: Direitos, Obrigações e as Violações do DHAA

O que são os Direitos Humanos?

São direitos que as pessoas têm por terem nascido e seu conceito, assim como o de SAN, está em construção, tendo em vista as mudanças dos valores com o tempo. Importante dizer que todos os direitos são frutos de conquistas históricas da luta das maiorias que não possuíam poder contra os seus detentores (ex: Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (Revolução Francesa)) e tudo o que se refere aos Direitos Humanos são para regular, dando limites e criando regras, ao exercício do poder.
Os DH têm como princípios serem universais (p/ todos), indivisíveis (igualmente necessários e a realização de um não justifica a não realização do outro), interdependentes e interrelacionados (realização de um exige a realização do outro) e inalienáveis (não podem ser retirados, cedidos e independem da existência de legislação).
E por que eles são diferentes dos demais direitos, por ex, dos direitos trabalhistas? Porque não necessitam de legislação para que sejam respeitados e são mais abrangentes. Apesar de ser importante a sua presença na legislação. Muitos devem lembrar-se da campanha que houve para incorporar a alimentação na Constituição Brasileira (vídeo abaixo). Estar na Constituição significa que o Estado possui a obrigação de garantir que esse direito seja realizado, através da criação de políticas públicas que protejam a população e favoreçam o acesso à alimentação (adequada), seja agindo sobre o ambiente, dando alimentos ou criando condições para que as pessoas possam obtê-lo. Além de ser uma forma de a população poder cobrar o Estado, caso este não cumpra o seu dever.


Em relação a essa última parte, da exigibilidade do DHAA, recomendo o documentário “Peraí, é nosso direito”, disponível no youtube (http://www.abrandh.org.br/NoticiaConteudo.aspx?id=130), e o curso “A Exigibilidade do Direito Humano” (http://www.abrandh.org.br/CursoConteudo.aspx?id=23), ambos da ABRANDH. Aliás, no site da ABRANDH é possível encontrar muitas publicações bacanas e outros cursos interessantes ;-).

Breve digressão. Voltando à apostila e agora um passeio pela história p/ conhecer alguns documentos sobre os DH.
Nos anos 40, o presidente dos EUA, Franklin Roosevelt discursou sobre as quatro liberdades: expressão, culto, não passar necessidade e não sentir medo, sendo que a terceira só seria alcançada quando todas as nações garantissem uma vida digna para todas as pessoas.
Após a 2ªGM, a ONU publicou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual consolidou conquistas dos povos contra opressão e abusos de poder, sendo um documento de referência para a promoção e respeito dos DH.
Anos depois, houve a formulação e adoção dos tratados: Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), os quais representaram a responsabilidade do poder público pela garantia dos DH. Os países que assinam esses tratados reconhecem a necessidade de criação de políticas públicas, elaboração de leis e realização de ações que promovam a equidade e diminuam as desigualdades.
Esse tratado reconhece o direito de um padrão de vida adequado, incluindo a alimentação e o direito de estar livre da fome. No 11º artigo, segundo parágrafo, define o que é necessário para alcançar a realização do DHAA:

§2. Os Estados-partes no presente Pacto, reconhecendo o direito fundamental de toda pessoa de estar protegida contra a fome, adotarão, individualmente e mediante cooperação internacional, as medidas, inclusive programas concretos, que se façam necessários para:
1.        Melhorar os métodos de produção, conservação e distribuição de gêneros alimentícios pela plena utilização dos conhecimentos técnicos e científicos, pela difusão de princípios de educação nutricional e pelo aperfeiçoamento ou reforma dos regimes agrários, de maneira que se assegurem a exploração e a utilização mais eficazes dos recursos naturais.
2.        Assegurar uma repartição eqüitativa dos recursos alimentícios mundiais em relação às necessidades, levando-se em conta os problemas tanto dos países importadores quanto dos exportadores de gêneros alimentícios.”

Outros documentos internacionais surgiram posteriormente a esses tratados, como:

·         Na década de 80, houve importantes contribuições sobre o DHAA, sendo um dos trabalhos pioneiros o de Asbjorn Eide, importante para o entendimento do DHAA e das obrigações dos Estados (não encontrei o de 1987 disponível, mas tem uns artigos interessantes na internet);
·         Cúpula Mundial de Alimentação – FAO: Em 1996, a FAO passou a se envolver ativamente e convidou a ONU para redefinir o artigo 11º do PIDESC e propor formas de realizar o DHAA. A Declaração e Plano de Ação da Cúpula encontra-se disponível em http://www.direitoshumanos.usp.br/index.php/FAO-Food-and-Agriculture-Organization-of-the-United-Nations-Organização-das-Nações-Unidas-para-a-Alimentação-e-a-Agricultura/cupula-mundial-de-alimentacao-declaracao-de-roma-sobre-a-seguranca-alimentar-mundial-a-plano-de-acao-da-cupula-mundial-da-al.html e devo dizer que é um documento lindo! Aliás, é inacreditável que diversos países assinaram esse documento em 1996 e em junho deste ano (2011!) a FAO publica um relatório sobre a situação social mundial que mostra que a fome crônica aumentou desses 800milhões para mais de 1bilhão de pessoas! Sem contar a fome oculta e o sobrepeso e obesidade… É vergonhoso!
·         Em 1999, foi realizado o Comentário Geral sobre o DHAA e, entre 2000 e 2002, ocorreram eventos para preparação da Cúpula Mundial de Alimentação: 5 anos depois.
·         Na Cúpula, a promoção e a implementação do DHAA foram reconhecidas como obrigações do Estado e verificou-se a necessidade de elaboração de Diretrizes Voluntárias, que orientassem o governo sobre a implementação efetiva do DHAA.
·         As Diretrizes Voluntárias foram publicadas em 2004 e são divididas em três seções: introdução com instrumentos jurídicos e definições; ambiente propício, assistência e prestação de contas; e medidas, ações e compromissos internacionais. No documento tem coisas bastante interessantes, como a Diretriz 11, que sugere a incorporação dos direitos humanos na educação básica e o estímulo ao conhecimento dessas diretrizes pelos cidadãos. Como citado anteriormente, isso não é interessante aos governantes, visto que se a população tomar consciência de seus direitos, entendendo-os como direitos de fato, diversos programas elaborados com a finalidade de “garanti-los”, passarão a ser vistos como obrigações do Estado e não como um “benefício” dado porque quem está no poder é bonzinho (essa visão confere muitos votos e mantém políticos no poder). Assim, a população teria mais condições de lutar pela real garantia de cada um deles, havendo maior controle social, maior participação, etc. Obviamente a probabilidade de essa incorporação acontecer é quase nula, pelo menos não por iniciativa de quem está lá ganhando muito dinheiro com a ignorância… (isso é válido também p/ a melhora da educação).
A ABRANDH traduziu as Diretrizes Voluntárias para o português: http://www.abrandh.org.br/downloads/Diretrizes.pdf

O Brasil ratificou vários dos documentos de compromisso internacional relacionados à garantia do DHAA e, em 2010, esse direito foi inserido na Constituição.
Além disso, a obrigação do Estado de proteger e promover o DHAA está presente em diversas leis: lei de restituição do CONSEA de 2003; Estatuto da Criança e do Adolescente; LOSAN; Portaria 710 de 1999 (cria a PNAN – Política Nacional de Alimentação e Nutrição – Como só vou falar da PNAN quando chegar à apostila de políticas e programas, já recomendo a leitura, com a ressalva de que será reformulada – no site da CGAN* é possível encontrar documentos sobre a sua revisão -, mas confesso uma paixãozinha por ela :-p - http://189.28.128.100/nutricao/docs/geral/pnan.pdf ).
Dessas leis, a LOSAN (Lei nº 11.346 - http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/Lei/L11346.htm) talvez seja a que representa maior avanço para a exigibilidade do DHAA, pois força o Estado a garantir mecanismos para que o DHAA possa ser exigido e a criar instrumentos necessários a esse fim.
* eu já falei da CGAN em algum momento? Talvez não… A CGAN é a Coordenação Geral de Alimentação e Nutrição do Ministério da Saúde. Acho que o site define melhor do que eu: http://nutricao.saude.gov.br/apresentacao.php e nele tem muitas coisas interessantes. Vale a pena ficar um tempo abrindo cada aba, vendo as publicações e apresentações ;-).
Já foi contextualizado o DHAA, falei que os DH são universais, tem alguns princípios, citei o Estado diversas vezes como responsável por garanti-los… mas o que significa essa responsabilidade do Estado? O que significa garantir o DHAA? Será que só o Estado é responsável? O que é violar um direito?...

Diversos atores sociais são responsáveis por garantir os DH, porém, a obrigação é do Estado. Em relação ao DHAA, essas obrigações seriam a adoção de medidas, com o máximo de recursos, para realizar o DHAA progressivamente, para assegurar o direito de todos estarem livres da fome, que promovam a não discriminação. Além de cooperar internacionalmente.
Há quatro níveis de obrigação do Estado:
·        Respeitar: o Estado não pode adotar medidas que privem indivíduos ou grupos de prover a própria alimentação e, caso isso ocorra, deve garantir outra forma dessa população ter acesso à alimentação;
·        Proteger: o Estado deve impedir que terceiros interfiram na realização ou atuem na violação do DHAA, principalmente em relação às pessoas em situação de vulnerabilidade. É neste que se enquadra a regulação da publicidade de alimentos não-saudáveis;
·        Promover: Estado deve criar condições que permitam a realização do DHAA, como através da criação de políticas públicas que ampliem a capacidade das famílias de proverem sua própria alimentação;
·         Prover: Estado deve prover alimentos aos indivíduos e grupos incapazes de obtê-los. Só deve ser usado quando/enquanto todos os demais esforços forem/estiverem sendo insuficientes.
Todos os indivíduos possuem responsabilidades inerentes perante a sociedade. Os direitos de cada indivíduo são limitados pelos direitos dos demais. Por exemplo, os indivíduos não devem consumir em excesso (difícil numa sociedade em que há estímulos constantes para o consumo cada vez maior), desperdiçar ou contaminar alimentos ou suas fontes, ou impedir o acesso de outros indivíduos.
As corporações transnacionais não podem ser responsabilizadas por violações do DHAA, uma vez que somente os Estados estão sujeitos às leis internacionais (para mim isso não faz muito sentido…). Porém, podem ser responsabilizadas indiretamente, por meio dos governos, que devem proteger a sua população (devem, mas nem sempre o fazem, principalmente quando se trata dessas corporações “donas do mundo”, que realizam lobbies importantes para defender seus interesses econômicos, em detrimento da garantia dos direitos da população, e o Estado não tem força – e nem se esforça - para derrubá-los, em função do grande capital envolvido), ou diretamente, estabelecendo responsabilidades diretas e códigos de conduta voluntários (Sou muito cética quanto a isso…)
Existe um documento da ONU chamado “Normas sobre as Responsabilidades Transnacionais e Outras Empresas no que se refere aos Direitos Humanos” (http://www.unhchr.ch/huridocda/huridoca.nsf/(Symbol)/E.CN.4.Sub.2.2003.12.Rev.2.En), adotado pela Subcomissão de Promoção e Proteção de Direitos Humanos em 2003.
As Organizações Internacionais, como o FMI e a OIT, tem papel importante na definição de políticas econômicas, influenciando no DHAA. Em sua resolução 60/165 sobre o DHAA, a ONU convida essas organizações a promoverem políticas e projetos que tenham impacto positivo na realização desse direito.
Quando o Estado, os indivíduos e pessoas jurídicas, transnacionais e organizações internacionais não cumprem com as suas obrigações de garantir os DH, estes são violados. Como, em última instância, a responsabilidade é do Estado, se um direito for violado por outros atores sociais é sua obrigação resolver.
É importante distinguir a incapacidade do Estado de sua falta de vontade. A incapacidade é caracterizada por limitação de recursos ou razões que estão além de seu controle, por exemplo. Porém, ambas as situações devem ser comprovadas. O Estado deve provar que usou o máximo de recursos possível, empregou todo o esforço e buscou ajuda internacional, mas, mesmo assim, não conseguiu garantir algum direito.
No Brasil, temos alguns exemplos de violações do DHAA:
- Apesar da queda, ainda há pessoas passando fome e desnutridas;
- Há muitas pessoas
Em situação de insegurança alimentar e nutricional e mal nutridas;
Sendo forçadas a ingerir alimentos de má-qualidade ou contaminados (por ex: agrotóxicos e transgênicos)
- Expulsas de suas terras; demitidas de seus empregos (por decisões econômicas tomadas pelo poder público ou omissão em relação a interesses e poder econômico de grupos hegemônicos);
- Desempregadas ou submetidas a subempregos, ao trabalho escravo (p/ quem acha que isso não existe mais - http://blogdosakamoto.uol.com.br/2011/06/24/quanto-custa-um-homem/), à baixa remuneração ou à discriminação (mulheres e negros em relação à renda, por exemplo);
Também é violar os DH a não existência, insuficiência ou dificuldade de acesso a mecanismos de recurso contra as violações! Aproveitando, já que uma das questões que mais tenho me debruçado é luta pela regulação da publicidade de alimentos, a não existência de uma lei que regule a publicidade de alimentos não saudáveis (não gosto desse termo, mas ele é fácil de entender) é um exemplo de violação ao direito à alimentação adequada, principalmente quando voltada a populações vulneráveis, como as crianças, as populações de baixa renda (por terem menor acesso à informação confiável), os estudantes de Nutrição e demais da área da saúde… Não vou discorrer sobre isso agora, porque só esse assunto daria um post inteiro. Em breve (talvez não tão breve assim, tendo em vista a frequência que tenho postado… :-p), mas em algum momento escrevo só sobre a questão da publicidade ;-).

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