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sábado, 25 de junho de 2011

Segurança Alimentar e Nutricional e o Direito Humano à Alimentação Adequada

ABRANDH
Curso de Formação em Direito Humano à Alimentação Adequada no Contexto da Segurança Alimentar Nutricional - 2009
Antes de começar, cabe dizer que esse é um resumo, feito por mim, do primeiro módulo do curso da ABRANDH, o qual está disponível no site da associação (http://www.abrandh.org.br/).  Portanto, se for usá-lo não esqueça de referenciar. Somente o conteúdo em itálico são minhas considerações ;-)

Módulo 1: SAN e o DHAA

SAN

O conceito de SAN é um conceito que evoluiu com a história, de acordo com alterações da forma como a sociedade estava organizada.
Durante a I Guerra Mundial (GM), o conceito de SAN na Europa estava relacionado à capacidade de produzir a sua própria alimentação sem ficar vulnerável a embargos e boicotes.
Pós II GM, existia um pensamento hegemônico de que havia uma insuficiente disponibilidade de alimentos, principalmente nos países pobres, levando à insegurança alimentar destes. Assim, iniciou-se a Revolução Verde (uso de variedade de transgênicos e agrotóxicos a fim de aumentar a produção) na Índia, com grande aumento da produção, mas sem impactar na fome do país.
A Revolução Verde trouxe consequências ambientais, econômicas e sociais importantes, como a redução da biodiversidade, maior resistência às pragas, êxodo rural, contaminação do solo e dos alimentos com agrotóxicos¹. Pesquisas atuais também mostraram a existência de resíduos de agrotóxicos no leite materno de mulheres brasileiras² e de resíduos de toxinas transgênicas no sangue de mulheres grávidas e não grávidas canadenses³.
No início dos anos 70, a crise na produção levou à realização da Conferência Mundial de Alimentação (1974), na qual foi identificado que, para garantir a SAN, seria necessária uma política de abastecimento e de oferta de alimentos estratégica. Porém, os direitos humanos continuaram em segundo plano e houve a intensificação da Revolução Verde, com aumento da produção, mas também, aumento de famintos e excluídos.
Na década de 80, houve um excedente de produção de alimentos industrializados e aumento dos estoques, com consequente redução dos preços, sendo a principal causa da insegurança alimentar a falta de acesso à renda e a terra (qualquer semelhança com os dias de hoje é mera coincidência… ou não…).
Nessa época, o conceito de SAN contemplava essas questões e era restrito a elas: “garantia do acesso físico e econômico de todos, de forma permanente e em quantidades suficientes”.
Nos anos 90, o conceito passou a incorporar que o acesso deveria ser a alimentos SEGUROS, de QUALIDADE, produzidos de forma SUSTENTÁVEL, equilibrada, ACEITÁVEIS culturalmente. Além do direito à INFORMAÇÃO.


Em 1992 aconteceu a I Conferência Nacional de SAN, em que o conceito de SAN foi mais bem definido, e em 1993 foi reafirmado o DHAA na Conferência Internacional dos DH. SAN passou a ser mais uma estratégia para garantir o DHAA.
Hoje o conceito já incorporou outras dimensões, além da alimentar (produção, comercialização e acesso) e nutricional (escolha, preparo, consumo), como a da soberania alimentar (cada nação deve ser soberana para garantir a SAN e tem o direito de definir políticas que a garantam, incluindo o direito à preservação das práticas de produção e alimentares tradicionais).
O conceito atual, reafirmado pela LOSAN é:
SAN é a garantia da realização do direito de todos ao acesso regular e permanente à alimentação de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades básicas, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
ps. LOSAN é a Lei Orgânica de SAN ;-)

Insegurança alimentar e nutricional x DHAA

Já foi falado o que é SAN, mas e o que é insegurança alimentar e nutricional (InSAN)?
Existem alguns graus de insegurança alimentar e nutricional, sendo o mais grave deles a fome.
A InSAN pode ter dimensão psicológica, em que há preocupação com a falta de alimentos de forma regular; relativa, em que a qualidade da alimentação é comprometida; e absoluta, caracterizada pela restrição de alimentos – falta de dinheiro ou de condições para produzir.
Além disso, há duas faces: a restrição periódica/continuada de alimentos (fome aguda ou crônica) e o consumo inadequado de alimentos em termos de variedade e qualidade.
Em 2004, o IBGE estimou que 72 milhões de pessoas estivessem em algum estado de InSAN no Brasil (40% da população). Sabe-se que a principal causa deste número alarmante é a desigualdade na distribuição de renda e de alimentos.




Para o consumo inadequado, há diversas causas: falta de acesso físico ou financeiro à alimentação saudável ou à falta de informações; os alimentos disponíveis são inadequados ao consumo (qualidade sanitária prejudicada, alto teor de sal, açúcar, gorduras, agrotóxicos, etc); publicidade abusiva desses alimentos; estratégias de venda usadas pelas indústrias alimentícias para atingir a população de baixa renda; etc.
Em todas essas situações há violação do DHAA, exigindo diferentes ações públicas para sua promoção e garantia de realização.
Mas o que é o DHAA?

DHAA
Alguns números:
Fome crônica em 2005 (FAO): 852 milhões
Fome oculta (estimativa): 2 milhões
Obesidade: 25 milhões de crianças e 250 milhões de adultos.
Ou seja, mais de um bilhão de pessoas estava em estado de insegurança alimentar em 2005...
Sendo o direito à alimentação adequada e de estar livre da fome um pré-requisito aos demais direitos humanos, verifica-se a urgência na garantia desse direito a todas as pessoas.
O termo DHAA surgiu no Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) e, em 2002, foi definido como “direito humano inerente a todas as pessoas de ter acesso regular, permanente e irrestrito, quer diretamente ou por meio de aquisições financeiras, a alimentos seguros e saudáveis, em quantidade e qualidade adequadas e suficientes, correspondentes às tradições culturais de seu povo e que garanta uma vida livre do medo, digna e plena nas dimensões física e mental, individual e coletiva”.
No entanto, a alimentação adequada está longe de ser uma realidade, visto que deve contemplar a qualidade, diversificação, balanço nutricional, isenção de agrotóxicos, OGMs e outros contaminantes e respeito aos hábitos culturais. Além disso, deve ser garantido o direito ao acesso à informação cientificamente comprovada e aos recursos produtivos, de maneira soberana, ou a recursos suficientes que permitam a aquisição de alimentos de forma digna e adequada. E, para isso, a promoção do DHAA deve passar pela reforma agrária, agricultura familiar, incentivo a práticas agroecológicas, saneamento, alimentação escolar, pré-natal, aleitamento materno exclusivo, não-discriminação, regulação da publicidade e propaganda de alimentos não-saudáveis, etc …
Como se pode ver, a garantia do DHAA exige políticas e programas intra e intersetoriais, que sejam elaborados, monitorados e avaliados através de um processo democrático, participativo e inclusivo, com a superação de práticas paternalistas, discriminatórias e autoritárias. O DHAA deve ser garantido sem discriminação, porém, devem ser realizadas ações afirmativas e focadas nos grupos mais vulneráveis.
As estratégias para garantir a SAN e reduzir a fome e a pobreza devem incorporar princípios dos direitos humanos, como a dignidade humana, prestação de contas e apoderamento. Sua política deve ser regida por valores compatíveis com os DH e, por meio dela, o Estado deve respeitar, proteger, promover e prover o DHAA. Assim, a SAN é uma forma como uma sociedade, por meio de políticas públicas de responsabilidade do Estado, pode e deve garantir o DHAA de todos e o DHAA permite o alcance, de forma digna, do estado de SAN e de liberdade p/ exercer outros direitos fundamentais.
No Brasil, a adoção de abordagens de direitos humanos, econômicos, sociais e culturais é pequena, devido à concentração de renda, recursos e poder, à falta de conhecimento da população sobre seus direitos (e a falta de vontade política de que a população o conheça), o que faz com que as ações públicas sejam vistas como favor, caridade ou privilégio e não como obrigação do Estado (garantindo votos). Além disso, quando se conhece os direitos, não se sabe quais os aparelhos existentes para garanti-lo e não há mecanismos efetivos para cobrança (e não há intenção de criá-los).



A sociedade civil e outros atores sociais têm papel importante no apoio e exigência da construção de uma nova cultura na gestão pública. Se possível, participando ativamente do processo, não só no apoio e na exigência, mas na própria construção intragovernamental dessa cultura.
Aproveitando a imagem... Em novembro deste ano acontecerá a 4a Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, evento onde há discussões entre diferentes atores sociais sobre o tema, com análises da situação atual, elaboração de recomendações, além de ter o importante objetivo de mobilizar a adesão ao SISAN. A Conferência tem etapas estaduais e regionais, antes da nacional. Então, venho convidar a todos a participarem das Conferências Regionais de SAN e acompanharem as demais etapas. Veja no site quando será a Conferência de sua região: http://www4.planalto.gov.br/consea/conferencia

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